terça-feira, 23 de outubro de 2007

Empecilhos (um diálogo verídico)


LÍLIAN: Daqui a pouco esta será a sua relação mais duradoura, Jorge.

JORGE: Daqui a um ano vamos comemorar, Lila, estaremos um ano juntos.

LÍLIAN: É mesmo.

JORGE: Mas nosso relacionamento tem problemas, porque não fazemos sexo.

LÍLIAN: Jorge, só pra constar: nós não somos namorados.

JORGE: Ah.

PAUSA

JORGE: Quer namorar comigo?

LÍLIAN: Jorge.

JORGE: Que foi.

LÍLIAN: Eu sou lésbica.

JORGE: É mesmo. Não dou sorte no amor.

Sobre a utilidade das coisas


Vinicius: Olha, um pregador que é ímã de geladeira! Que coisa mais... (qual adjetivo usar?) Útil! Não! Eclética. Isso não é nada útil.


Almiro: É sim, você põe aqui na porta e ainda pode pregar coisas na geladeira.


Vinicius: Olha, que coisa útil!

Emaranhados


VINI
Ai amiga, eu precisava mandar uma mensagem pra alguém e não lembro pra quem...

TÁI
Que mensagem, amigo...

VINI
É isso, amiga, eu não lembro pra quem! Toda vez que eu lembro e vou escrever, eu esqueço...

TÁI
Então, amigo, faz o seguinte: quando você lembrar, você fala em voz alta...

VINI
Tá certo, amiga... Agora... você me ouça, viu? E me entenda. Porque se você perguntar "o quê", já foi.

TÁI
Tá certo.

VINI
Ai amiga, lembrei, eu preciso mandar uma mensagem pro meu irmão!

TÁI
O quê?

VINI
O que o quê?


........................................................

I-Ching do Dia


"Entre o porre e a porra, prefira a mesopotâmia. No meio dos mares, você equlibra suas energias e absorve melhor o pê que seu umbigo é capaz de abrigar. Respire fundo, pois os íons são seus. É você quem escolhe aqueles que mais te servem."

Meu primeiro porre



SÃO PAULO, 6 DE MAIO DE 2007.


Eu sou impaciente para escrever e-mail, carta (esta ultima modalidade de comunicação a longa distância, admiro bastante aqueles que ainda a cultivam) e essas linhas só poderiam sair quando eu passasse por um momento especial.

Esta noite eu vomitei. No meio da rua. Bom, na verdade foi na calçada. Na rua Vieira de Carvalho. Uma rua que leva meu sobrenome. E ficou suja por causa do liquido avermelhado que saiu da minha boca. Ainda bem que era só vinho.

Meu Deus!!! Agora me dei conta que Almiro me viu vomitar. Ah, foda-se. Já foi.

Ele estava sentado do meu lado, me aparando porque eu estava muito mais tonto do que ele. Dois bêbados pateticamente largados na calçada da Vieira de Carvalho, onde há pouco Cauby Peixoto havia cantado pérolas como "Conceição" e "New York, New York", juntamente com fans e curiosos (sou deste time, por favor). Eu ainda não tinha posto um gole de álcool na garganta, apenas uma garrafa de Guaraná Power, como bom rapaz da geração saúde.

São gentis os bombeiros de São Paulo. Um deles me deu água com açúcar. Na calçada, um minuto antes da devolução vinícola.

Isso numa noite de virada cultural. 24 horas de música, teatro, dança, cinema e artes plásticas por toda cidade de São Paulo. Muita gente na rua, lembrava Carnaval de Salvador. "Ê saudade, que bate no meu coração..."

Raves nas ruas Direita e XV de Novembro. Nesta ultima estava melhor, tinha uma dj dentro de uma bolha. Na rua Direita estava cheio demais e o psy trance estava meio devagar. Dançava com a garrafa de São Jorge vazia, pois achava meio absurdo jogar algo daquele tamanho no chão. Só me livrei da dita cuja quando saímos para voltarmos a Praça da Republica, jogando-a corretamente dentro de uma lixeira.

Tiroteio na Praça da Se, onde estava acontecendo o show dos Racionais MC. Foi uma correria, um clima de pânico, medo de levar uma balada perdida. Deve ter sido assim, não sei, porque enquanto isso eu e Almiro já estávamos tranquilamente dormindo. Juntos. Na grama. Na praça ao lado, a da República. Depois da segunda garrafa de vinho. Almiro conta que uns gays passaram pela gente e disseram "ooooohhh..", crentes que éramos um casalzinho feliz deitado eternamente em berço esplêndido. Ele levantou a cabeça na hora pra responder-lhes algo, mas uma mão o impediu. Era a minha, que interpretou sua levantada de cabeça como um afastamento desnecessário, puxando-a de volta à grama, junto do meu ombro. Que coisa fofa.

Andréa Elia nunca iria imaginar que aqueles dois rapazes que fizeram companhia a ela do Sesc Consolação até a Praça da República, iriam terminar a noite assim: trôpegos que tiveram de desistir do Pato Fu às 10 da manhã para chegarem em casa às 6 e terem um sono digno para assistirem a uma Zélia Duncan que eles tb não tiveram saco de ir ver...

Na noite anterior, já tínhamos passado por uma odisséia. A Odisséia de Cinema, do Espaço Unibanco na Rua Augusta (lembro quando jogava Banco Imobiliário e investia na Rua Augusta). Por apenas 8 reais, podíamos assistir a 3 filmes (0h, 2h e 4h), beber uma Bavária Premium (achei horrível), dançar ao som dos djs nos intervalos, beber Jhonie Walker Red Label à vontade batido com morango (com maracujá era foda, eu já estava com lutando contra o sono, não ia beber roska de maracujá) e ainda levar os copos vermelhos para casa. Levamos quatro, dois enfiados no casaco de Almiro. Que eu estava vestindo.

Assistimos "Além do Desejo" , a história de uma mulher que se apaixona por um transexual (muito bom!). Depois veio o "Filme-Supresa": em duas salas, as 2h, passariam filmes que o publico iria assistir sem saber qual é. Na minha passou um filme nacional horrível, "Baixios" não sei que lá, que só serviu para ver que Caio Blat tem pinto grande e Matheus Nachtergaele não, apesar dele insistir em comer o cu das putas gritando "TRAZ A MANTEIGA!". Enfim, um filme pesado e gorduroso. Ainda bem que saímos no meio do filme. Aproveitamos o saguão vazio para bebermos roskas à vontade.

Peraê. Vinicius não bebe. Foi mal, gente. Estou perdendo a minha credibilidade. Mas ainda me considero um homem que não bebe. Só bebi anteontem, ontem e hoje, por exemplo, só vou beber pq eu e Miro preparamos uma batida de Smirnoff com kiwi, uva e leite condensado que está imperdível. Faço questão de salientar que foi ele quem comprou a vodka. E amanhã é segunda-feira, ta tudo certo.

Sim, voltando, recomendo tb o terceiro filme que vimos: o australiano "Olhe para os dois lados", lindo, engraçado e sensível. Super me identifiquei com as loucuras imaginadas pelos protagonistas.

Gente, estou apaixonado. São Paulo é apaixonante. Tem gente que não gosta, que acha feia. Bom, eu gosto. Acho linda.

Meu pavio está acabando. Vou encerrar o e-mail por aqui. Preciso trabalhar agora, pra vcs não pensarem que minha vida aqui vive na base do porre. Foi um só, o primeiro da minha vida. Um porre simbólico, porque muito maior é esse porre de São Paulo, esse porre de vida que estou tomando diariamente. Tenho vivido em embriaguez contínua, vivendo em estado de porre, pronto pra levar porrada, mandar pra porra o que tiver de mandar, porque aqui está muito porreta.

Raíssa vai à praia


Pessoas da rua respondem à pergunta “Por que você não está na praia agora?”.


Corta para

CLOSE UP – Raíssa ao celular.

RAÍSSA
Por quê? Ô, eu tô com muita cólica, Dona Edith. Tá doendo demais!

ABRE A CENA – Raíssa põe o chapéu. Está pronta para ir à praia.

RAÍSSA
Mas de tarde já tô melhor e passo aí pra deixar as roupas que a senhora encomendou. (Olha em cima da geladeira) Cadê essa chave, gente? (debaixo da cama) O vestido dos quinze anos? (dentro da privada) Lógico! São Longuinho, São Longuinho se eu achar essa chave, dou três pulinhos! Combina com azul sim! Achei! (dando pulinhos) O remédio da cólica, achei, é, graças a Deus. Então três horas tô aí, viu? Uma e meia??? Não dá, dona Edith, tenho uma cliente em Brotas, que Brotas!?, é láááá no Saboeiro, quase Mussurunga. Três horas, meu amor, um beijo, ai que dor, tchau.(Desliga) Aleluia, lá vou eu!

Corta para

Ônibus chega no ponto.
Raíssa sentando no banco do ônibus.
Raíssa passando protetor solar nos braços e no rosto.
Pessoas levantando e saindo.

RAÍSSA (cantando e passando protetor)
“Tomar um banho de sol, banho de sol...” Por que tá todo mundo saindo? Como assim, quebrou o ônibus? Alô? Dona Célia? Esperar outro da empresa? Tudo bem, meu amor!? Deeus me livre, moço, é mais fácil chegar dezembro do que, só um minuto, dona Célia, é mais fácil chegar dezembro do que chegar outro busu, ta doido? È Alto do Coqueirinho ali? Ave Maria, dá licença!

Raíssa na rua, ainda ao celular.

RAÍSSA
Dona Célia, a coleção nova já chegou, largue de agonia! Ô moça, meu rosto tá branco?

Corta para Raíssa no outro ônibus, passando pela roleta.

RAÍSSA
Saia jeans também. Não tem troco? É, no joelho, isso. O senhor não tem troco pra dez reais??? Pantalona? Que coisa ultrapassada, dona Célia. Espero, né, fazer o quê? Tem uma blusinha que sua filha vai amar Aaai!!! Foi o ônibus aqui, menina, quase caio, Ave Maria, moço, pede pra esse motorista dirigir direito. (Sentando) No fim da tarde tô passando aí. Até mais. Ó meu troco, viu moço? Alô? Dona Kiko? Pode deixar, daqui a duas horas estou aí. Que caminho esse ônibus faz, moço? O quê??? Não vai dar, dona Kiko. Ah-ah, é porque, é porque eu...

PESSOAS DA RUA DÃO SOLUÇÕES.

RAÍSSA
Isso não. Isso também não. É pra ela acreditar, né gente?

PESSOA DIZ: “Vai levar o filho no médico”

RAÍSSA(Ao celular)
Pois é, meu amor, vou le... Eu não tenho filho gente, que que é isso??? É o filho da minha vizinha, bateu aqui na porta com... com... com...

TRÊS PESSOAS DIZEM CADA UMA:
01. FEBRE
02. SARAMPO
03. DENGUE

RAÍSSA
Febre, sarampo e dengue. É, tudo junto, horrível, coitado, ai. Amanhã passo aí, tá? (Desliga) Vocês têm cada idéia, Ave Maria! Ô moço, olha quanta gente já subiu, cadê meu troco?

Raíssa passando entre as pessoas.

RAÍSSA
Com licença, gente, meu ponto, meu ponto.

Raíssa puxa a cordinha.
Ônibus freia bruscamente.
Raíssa projeta-se para frente.
Som de coisas caindo nos balõezinhos (Pow! Puf! Splash!)
Raíssa catando as coisas no chão.

RAÍSSA
O apresuntado, gente!!! Cadê a outra banda do pão? Meu réfri, me dê, menino! Meu ponto, gente! Pera aí, motô, peraí, motô!!!

Corta para

RAÍSSA desce do ônibus.

RAÍSSA
Ai, Jesus! Eu ainda vou ter que ir andando até a Sereia pra pegar van pra Aleluia, gente.

A sandália de Raíssa parte.

RAÍSSA
Ai, né possível! Ô miséria, ô (Aparece balãozinho de xingamentos) de sandália!!! Vou largar você aí, viu!

Corta para

Pés de Raíssa andando com dificuldade. Close up.

RAÍSSA
Ai, esse chão tá pelando, gente, ai!

Raíssa tropeça num buraco.

RAÍSSA
Uai! Que calçada é essa, Ave Maria!

Celular toca.

RAÍSSA
Alô? Oi, dona Edith! Três horas, já??? Tá passando van pra Praia do Flamengo? É que atrasou... que praia, oxente, praia!?!? Tô indo ver uma cliente lá em Praia do Flamengo, dona Edith, calma, que de lá pra Amaralina é um pulo, largue de agonia! Minha canga, menino, tome cuidado! Ói, Dona Edith,me deixe, viu, que eu não sou vagabunda pra tá na praia quarta-feira de tarde. Meu Deus, a van , gente!!!

Raíssa corre.
Aparece balãozinho: “LOTOU, LOTOU! ARRASTAAA!!!”

RAÍSSA (parada, frustrada)
Ah, não, gente, chega. Vou ficar aqui em Itapuã. Que nada! (Feliz) Ave Maria, vou tomar meu banho de mar, Jesus, ai, não acredito!

IDÉIAS DAS PESSOAS QUE SE REALIZAM:

Podiam roubar a bolsa dela..

RAÍSSA
Ei!

A praia podia estar lotada.

RAÍSSA
Quarta-feira, gente? No meio do ano???

Podia chover.

RAÍSSA
Ah, nãããõ... Brigada.


FIM

Colônia da Sorte


AVENIDA SETE / EXT / DIA

CAM mostra a multidão andando. O sinal abre para os pedestres. As irmãs ROSA e AMELINDA começam a atravessar a faixa. AMELINDA vasculha sua bolsa.

AMELINDA - Rosa!

ROSA - Que foi?

AMELINDA - Esqueci de passar minha colônia da sorte antes de sair de casa.

ROSA e AMELINDA andando na calçada.

ROSA - Tá vendo? Quem manda ser tão enrolada? Demora tanto se maquiando.

AMELINDA - Sua colônia tá aí na bolsa?

ROSA - Não, ta não. Quer dizer, ta, mas esqueça.

AMELINDA - Oh, Rosa, me empresta, vai.

ROSA - Rá! Desista. Lembra que semana passada você não me emprestou aquele colete?
AMELINDA - A última vez que eu te emprestei tava faltando dois botões, e eu disse que não te emprestava mais.

ROSA - Pois é, bem feito. Agora fique sem a colônia da sorte.

AMELINDA - Rosa, deixe de ser abestalhada, me empresta a colônia, vai, foi mainha que comprou, eu também tenho o direito de usar.

ROSA - Ela comprou uma pra cada uma. A sua ta em casa. Vá buscar.

AMELINDA - (PUXA O CABELO DE ROSA) Idiota.

ROSA - Ai! (EMPURRA AMELINDA) Sua miséria!

As duas começam a brigar. CAM mostra TRÊS RAPAZES de olho na briga, cruzam olhares uns com os outros e vão apartar as duas. A bolsa de ROSA cai no chão. RAPAZ 2 pega a bolsa e foge com RAPAZ 3.


RAPAZ 1- Ô, ô moça, briga não, briga não.

AMELINDA - (PARA ROSA) Tá vendo, idiota, o que você fez? (PARA O RAPAZ) Obrigada, moço, cadê minha bolsa? (COM A BOLSA PENDURADA NO OMBRO) Ai, ta aqui, que alívio.

ROSA - E minha bolsa, cadê??? Cadê minha bolsa???

RAPAZ 1 - Vi bolsa nenhuma não.

ROSA - Como, moço, tá maluco, minha bolsa com minha carteira, meu modess, minha colônia da sorte, cadê???

RAPAZ 1 - Não sei, moça. Vou indo, viu.

RAPAZ 1 sai.

ROSA - Não, você não pode ir, eu quero saber onde estão minhas cois/

CAM mostra os RAPAZES 2 e 3 verificando o que tem na bolsa, e RAPAZ 1 chegando.
AMELINDA - (OFF) Bem feito. Agora está sem colônia da sorte de vez.

ROSA - Pelo menos passei a colônia da sorte antes de sair de casa, ta?

AMELINDA - (RINDO) Adiantou muito né, Rosa? Por isso que eu não passei, não acredito mesmo nessas coisas. Superstição é coisa de gente ignorante, bem feito.

O vatapá nosso de cada dia


Ah, meu Deus. Não sei pra que fui inventar de fazer esse vatapá. Dá trabalho demais esse negócio. Nunca vi tanto ingrediente junto prum prato só. Batata, cenoura, tomate, pimentão, cebola, alho, coentro... Pronto! Eu podia fazer uma salada de legumes, muito mais fácil. Não, Fátima, você vai fazer esse vatapá que você prometeu pros paulistas. ”Aonde é que já se viu, uma baiana que não sabe fazer um vatapá?” Que esse povo é assim, acha que a gente só come acarajé com moqueca. Quem ia guentar dendê todo dia, minha gente, aí sim é que ia ser tudo um povo preguiçoso que num ia guentar trabalhar de barriga cheia. Ia ser um tal de “ooi, aai..”, aquela leseira...
To achando é muito estranho, viu? Pensei que vatapá levasse castanha. Mas também, Fátima, você quer confiar em receita de internet, deve ter sido algum paulista que criou essa receita, só faltava dizer que leva pão dormido.

“Limpe o camarão”. Mas como é que se limpa camarão? Nunca fiz nada na cozinha, pra que eu fui inventar de dizer que faço o melhor vatapá da Bahia.... Ah, Meu Deus, no que foi que eu me meti... Será que limpar camarão é tirar essas pelinha? Vou tirar.

“Refogue em um pouco de azeite”. Taca azeite, taca azeite.

“Deixe cozinhar e ponha água suficiente para cobrir”. Afe, eu acho que é muita água. Vai ficar aguado esse negócio.

“Deixe uns 4 a 5 minutos.”

Ah, Meu Deus, oito minutos, esqueci da vida! Eu não posso parar pra ver noticia que esqueço do mundo, ainda mais se é notícia ruim, de acidente, essas coisas que dão uma aflição na gente. Ta queimando!!!
Mas é pra fazer o quê? “Tire do fogo e reserve.”(Tirando) Claro que é pra tirar do fogo, né, Fátima, se o negócio já passou do ponto e tá queimando, vai fazer o quê? (Irônica)“Agora exploda o fogão. Sirva 8 porções.” Ai, minha mão!

“Em um liquidificador vá batendo os legum... mmm. Aumumunnauummm.. camarão aumumnunamm...fazer um purê de legumes bem consistente.” Vou ter que bater três vezes??? Ah, Meu Deus...

FATIMA BATE TUDO NO LIQUIDIFICADOR. CORTA PARA ELA FAZENDO ISSO MAIS DUAS VEZES. NA ÚLTIMA, O LÍQUIDO ESTOURA EM SEU ROSTO.

Ah, Meu Deus, pra que eu fui inventar de fazer esse vatapá... Levava todo mundo pra comer acarajé no Rio Vermelho, que era melhor, minha gente...

Bom, agora tá tudo na panela. Mas é coisa, viu? “Acrescente, mexendo sempre, o coco ralado, a pimenta, a margarina e a farinha dissolvida.” Afe, quanta coisa...

“Experimente o sal e se for necessário, coloque mais.” (Experimenta) Mais sal. (Experimenta) Mais saaal... (Experimenta) Menos sal. Menos sal! Mais leite, mais leite. (Põe mais leite)

“Coloque os camarões refogados.” Cadê, os camarões? Sumiram, os danados. Ah, aqui. Pronto. Foi tudo. “Regue com azeite de dendê ou de oliva a gosto.” Oliva, minha gente? To falando que isso é receita de paulista.

Ah, Meu Deus, to cansada já. Esse caldo não engrossa. Afe, pra que que eu fui inventar de fazer esse vatapá...

Ah, Meu Deus! To achando esse vatapá branco demais. Ta parecendo mais um mingau de aveia.

Porque não vende vatapá em lata que nem feijoada, minha gente? Simplifiquem minha vida, vá...

Alô? Restaurante Tempero da Bahia? Vocês servem vatapá? Quero uma panela. É, uma panela, é pra seis pessoas. Porção? Uma porção dá pra quantos? Pra um? Quero seis. Tudo bem, eu vou aí buscar. Quanto é? Cento e vinte??? Ah, meu Deus, mas pelo menos vem com arroz então. Não? Ta muito caro, vou pesquisar. (Olha para o relógio) Eu quero, mas só quatro porções. Esse povo não precisa comer tanto. Em cheque. Obrigada. (Desliga) Se esse vatapá não prestar, eu vou me retar.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Fragmento de Pessoa


"Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida. Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que perfeitamente somos."


FERNANDO PESSOA em "O Livro do Desassossego"

Grito sufocado


O homem vive, vive, vive, vive, vive. O homem acorda, o homem levanta, anda, come, toma banho, arruma-se, olha-se no espelho, quer ficar lindo, sai correndo, pega o trânsito, trabalha, encontra os amigos, dá risada, fala alto, canta, dança, paquera, beija, transa, goza, telefona, encontra, desencontra, foge, senta, espera a sua vez, faz o teste, recebe a ligação, conversa, conversa, conversa, ouve música, canta, come, bebe, malha, vai ao banco, anda na rua, encontra fulano, chega em casa, troca de roupa, navega na Internet, vê tv, fala ao telefone, pega aquele livro, deita na cama, lê até sentir sono, sente sono, aconchega-se nos lençóis, fecha os olhos e pensa, pensa, pensa, pensa, pensa, pensa, pensa...

O homem ocupa todos os espaços da sua mente. Ele não pode ouvir os gritos da sua alma. A mente do homem não pode fazer silêncio. Se assim o fizer, os gritos da alma o dominarão. O seu corpo irá gritar. Mas será difícil alguém ouvir o grito do homem. Estão todos tentando tapar os seus próprios gritos. Um bando de órfãos. Crianças solitárias sonhando com alguém que silenciará seus gritos, colocando-as no colo e pondo-as para ninar.

Por isso é melhor dormir, acordar, levantar, andar, correr, tomar banho, arrumar-se, olhar-se no espelho, querer ficar lindo, sair correndo e continuar a correr, correr, correr, correr...

Talita e seus cajus


Eu gosto de caju. Não. Na verdade eu não gosto de caju. Caju é uma fruta, correto?
Eu sou uma mulher correta. Pago minhas dívidas em dia. Porque de noite, eu preciso dormir. Durmo sempre sozinha. Não gosto de homem do meu lado. Eu gosto de caju. Que porra, que mania eu tenho de dizer que gosto de caju. Eu gosto de suco de caju, mas aquele de garrafa. Gosto de tudo que vem pronto. Ontem mesmo, fui num pronto-socorro. Foi minha vizinha Socorro quem me levou. Eu estava tentando abrir uma lata de atum. Foi um sacrifício. Definitivamente, abridor de lata não foi um instrumento preparado, adequado, para se abrir uma lata. Ou então eu sou canhota. Já reparou que nas escolas, não existem carteiras para canhotos? Isto é revoltante. Eu gosto de caju. Castanha! É isso, eu gosto da castanha do caju. Toda castanha vem do caju? Eu só sei que detesto caju. Eu gosto é da castanha. Nozes. Também gosto de torta de nozes. Nozes. Hum... Nozes é muito bom. Mas é muito, muito bom. Quem mexeu aqui? Tinham doze bombons, agora só vejo três. Aliás, eu não vejo mais nada. Há muito tempo, disse para mim mesma: Talita, você, a partir de hoje, não verá mais nada. Nem foi assim. Eu disse: “Talita, minha querida. A partir de hoje tu não verás mais nada.” E desde então não vejo mais nada. Sou uma pessoa voltada para dentro. Toda vez que minha mãe gritava “já pra dentro, Talita!”, eu ficava fora. Isso era o quê? Rebeldia! E o que a rebeldia me levou? A nada. E onde não há nada, nada há. É por isso que eu me agarro. Me agarro e não me solto. Porque se eu me soltar, meu filho... cai tudo. E aí... vai ser caju pra tudo que é lado.

O dia em que o teatro foi à feira


Oba!!! Beterraba! Vem cá, alguém já ouviu esta frase antes? “Oba, beterraba!”. Eu nunca ouvi. Nem quando a gente tem aquele encontro inevitável com aquelas rodelas de beterraba na mesa de um self-service. Não, porque, fala sério, garanto que a maioria aqui só dá de cara com uma beterraba quando vai almoçar num self-service. Pois é, em toda a minha vida, eu nunca ouvi alguém da fila dizer “Oba, beterraba” e preencher seu prato com aquelas suculentas fatias avermelhadas, que inclusive deixam o prato mais bonito, mais colorido. Eu só consigo imaginar uma pessoa sorrindo de felicidade por ter encontrado uma beterraba, se ela estiver numa anemia profunda, o sangue quase virando leite. Aí, sim. “Oba, beterraba!” faria um enorme sentido. Pois é, mas por que estou falando disto?
É o seguinte, eu tinha vontade de começar um monólogo assim, da maneira mais inusitada possível, com uma frase inimaginável, que instigasse o público, e aí, na fila do self-service da Escola de Belas Artes, eu cometi a loucura de dizer “Oba, beterraba!” e percebi o quanto original fui naquele momento; decidi que assim começaria o meu monólogo, de maneira bem original.
Sabe como é, fazer teatro está cada vez mais difícil, e fazer algo novo no teatro é pior ainda. Todo mundo que faz teatro sente aquela missão de superar algo, de não repetir padrões, de inovar... mas o que é que já não foi feito, Meu Deus! Dizem que os gregos Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, com sua obra, são a base de tudo que aí está, que na obra deles a humanidade já está sintetizada, então o que é que eu ainda posso fazer? Como se não bastasse, ainda veio William Shakespeare, o máximo dos máximos (menos no Vietnã, mas alguém aqui por acaso estudou o teatro no Vietnã?), que com sua obra dimensionou o homem de tal forma que ninguém mais pode superá-lo! Então, se eu não posso superá-lo, o que é que eu estou fazendo aqui??? Se Shakespeare é a magnitude, é o ápice do teatro, coitadinho do teatro... Morreu há séculos e nós ficamos cultivando o seu espectro. Somos todos bruxos do teatro, tentando desesperadamente provocar o renascimento, a ressurreição ou a reencarnação do teatro, não importa. Por falar em reencarnação do teatro, se isto acontecer, danou-se, pois corremos o risco do teatro querer reencarnar como televisão ou como cinema, pois teatro hoje em dia não dá dinheiro... não dá público... não dá nada! Nem recebe!
Mesmo assim, continuamos insistindo nesta massagem cardíaca do teatro, coitado, pra ver se ele volta a pulsar forte, e a fazer as correntes sanguíneas circularem por entre todos os cantos, ativando freneticamente as hemácias populares e os leucócitos elitistas de toda esta sociedade orgânica que está com seu sistema imunológico enfraquecido pelo vírus da falta de imaginação... Vírus que me afeta neste exato momento. Com licença.

TEXTO SURREAL


Quem descobriu a hortaliça que estava escondida debaixo da cama da sinhá moça que um dia foi na beira do lago e atirou uma pedra contra aqueles que queriam falar de política com Castro Alves, sem imaginar que estavam falando algo de muito interessante sobre as pessoas que nunca falaram nada diferente.
Sem saber quem realmente andava sobre aquelas localidades vãs de filosofia abstrata, onde o vento fazia uma paralela com os corvos que sobrevoavam o horizonte passivo de fumaça e algodão, algodão-doce de mel e azeite vendido na carroça de um senhor barbudo e velho, velho porém macio de dar dó.
Janelas eram abertas pra ver a banda tocar gaita e pandeiro, junto com palhaços brincalhões de sorrisos amarelos, onde não havia pasta de dente nem fio dental, que as moças gostavam tanto de usar.
O preto tomou conta do petróleo que caiu sobre a lama da infâmia, a acusação pesou sobre o maestro que deu a nota errada e desandou a torcida do Corinthians que só queria saber de gol, num caldeirão de folia e alegria, de rojões e machucados mal-curados por band-aids sujos e mal-lavados, por causa da falta d’água nas regiões ricas e privilegiadas.
E os ratos que eram disputados a tapas pelos transeuntes famintos e sem roupa vermelha do sangue derramado pelo vinho cálido na taça de vidro holandês do século XPTO? Qual o destino? Marte, Júpiter ou lá na sua casa. Na minha não! Na nostra, la nostra casa , ih, falar italiano é que é o foda, já era, e a estória continua, com “e” ou com “h”.
Camelos que andam pelas regiões áridas do deserto do Himalaia, frio de quente que nem dente frito no azeite doce, que é pra não adoecer a cabeça de muitas louras que passam por uma fase de auto-estima e aceitação difícil, sem contar com a conta bancária daqueles que refrigeram o ar condicionado na barriga de gambás sarnentos e yuppies durante o inverno gélido e gelado dos Alpes andinos.
A Bíblia dos afogados no mar das paixões é o Kama Sutra das ilusões numa porta tosca de madeira roxa retirada das matas já cinzas pelas pontas de cigarro que você quis jogar no chão quando tinha uma lixeira a seu lado. Ele te pede , com a boca aberta, um pouco de lixo, e você nega, dando preferência ao chão, que, doente, devolve em erosões na alma kalada.
Quem dirigiria um Corcel nos dias de hoje, tomados por Palios e Pageros que rodam indiscriminadamente pelas ruas de Salvador como palafitas que desabam com as boas-vindas da pororoca na Amazônia americana, norte-americana. Do filme de Tom Cruise onde a missão é impossível porém fácil de se entender, já é outra história, com “h”, ou sem “h”, o que importa é que ver Curtas Baianos é que é sim, oooooutra “hi”stória.
O cravo brigou com a rosa, mas a margarida, que estava sendo traída por uma borboleta azul-lilás que pousara um dia em sua antera, e roubou seu pólen para nunca mais voltar, nem ligou do seu celular, porque a Telebahia deixou de funcionar. E está fora do ar. Quem diria, logo uma borboleta. Verde, qual cor seria o verde, se não fosse chamada de amarela, a cor amarela? Perguntas profundas que só uma borboleta saberia responder , se fosse provida de cordas vocais, ou pregas, quem sabe.
O Jô Soares que disse que.... o terno é amarelo, de novo? Ah, já se foi a época em que as mulheres cidadãs eram melenas de Atenas como gostaria de insinuar Buarque em sua música tornada conhecida por uma professora de 5a a 8a série.
Uma vez que o grito é consumado no altar das revoluções pessoais e o silêncio é a antítese mais correta e óbvia para esta situação, pula-se de alegria no carnaval dos tímpanos corrompidos pelo trio metal, de Daniela Mercury ou de Cazuza do ultra-leve.
Uma loira desce a escada enquanto a negra sobe, de vestido vermelho e a bunda arrebitada, pedindo mais atenção ao seu rebolado, embora o cabelo seja hastafari e a água-oxigenada tenha acabado. Como naquela vez, em que duas elefantas estavam à espera de um táxi para irem ao casamento da formiga, mas aí começou a chover lama e argila e as duas ficaram toda ensopadas, servidas na mesa de um tigre faminto, violento, e indiferente à miséria nas favelas do Rio de Fevereiro, março, abril, maio e todo o resto de toda a vida.
Quando minha avó vier para cá, darei tantos beijos em suas bochechas quantos tiros de flores, pétalas de rosas podem ser dadas por uma metralhadora de lã e cetim, forradas de quadradinhos, bananas de caramelo e sundae de harmoniosa sinfonia de Belgrado, uma cidade que nem sei se já foi bombardeada por tálamos e grinaldas. Se foi, nem adianta, a maioria se separa mesmo e a vida continua.
Continua até chegar ao mar, os dedos cansarem de tanto teclar e a cabeça pender para um lado que só uma jibóia sabe contornar e sufocar, a menos que o céu resolva cair sobre nossas mentes dilatadas pela massificação dos macarrones e panetones vendidos no Natal, e nem sabemos porque os consumimos com tantas passas.
De onde vem a uva? Se continuarmos com a mania ridícula de perguntarmos tantas coisas sem respostas, acreditando que um dia elas virão, ficaremos absortos em pensamentos enquanto a vida passa, o carro passa correndo a 200 por hora e você fica pensando ainda no poder da unha na movimentação do corpo no próximo minuto.
Até que hora isto pode durar, só a Daniele sabe, ou seja, não adianta preocupar-se com isto, que o momento certo chegará.
Espinhas que vão e vem, são como espinhos que vão e vem. Mas o que fica, realmente é a rosa. Pura influência da novela das seis, que ainda nem começou, estamos no São João.
Ah, acho que está bom. Está vendo como não preciso me preocupar? Tudo tem a sua melhor hora. E a melhor hora pra acabar... pode não ser agora. E nem esta precisa ser a última página.

Bem-vindos

Boa noite.

Divirtam-se.

Vou dormir.