quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Saturnálias Carnavális


Acho interessante como é fácil ter um sentimento de nostalgia a épocas às quais não vivemos, como é fácil alimentar a visão poética sobre um tempo que ninguém viveu.

Li um texto sobre as Saturnálias, uma festa durante a qual os escravos saiam às ruas para comemorar a liberdade e a igualdade entre os homens, cantando e se divertindo em grande desordem.

Alguém entendeu bem que os ESCRAVOS saíam às ruas para comemorar a LIBERDADE e a IGUALDADE entre os homens???? ESCRAVOS comemorando a LIBERDADE???? A IGUALDADE????

Não, não entendi, alguém me explique e me dê uma taça de vinho, por favor (se beber, não dirija!).

Eles cantavam e se divertiam em grande DESORDEM. Mas era uma desordem pacífica, lúdica, resignada. No meio da multidão, nenhuma grega ciumenta arrancava o cabelo da outra porque esta deu em cima, entre vinhos e uvas, do seu marido. Nenhum escravo, revoltado por sua condição, praticava algum ato de vandalismo, entre vinhos, uvas e sangue de cabras, contra algum senhor. Afinal, ele comemorava, naqueles dias de "trégua", a igualdade e a liberdade, antes de retornar à sua edificante labuta de servir ao seu irmão, seu dono, seu igual.

Ainda bem que O Carnaval é uma trégua, um alívio da hipocrisia social e do medo do corpo...

Os graciosos Lupercos saíam NUS (a nudez é divina, não esqueçamos, mas eu não posso sair nu na Barra Ondina e nem queria também rsrsrs) e perseguiam as pessoas nas ruas, batendo-lhes com correias. Era algo tão lindo e poético, porque as virgens violentadas (ops!, quero dizer, TOCADAS) acreditavam se tornar férteis, e melhor ainda, naquela época não havia a delegacia da mulher. Então todos podiam brincar em paz. E valia a pena as grávidas serem tocadas também, porque, digam vocês, mulheres:

(Momento Enquete)

Se você pudesse escolher, qual dor não sentiria?

  1. A dor de uma correia que lhe corta a carne.
  2. A dor de uma criança que lhe corta a carne.

Na Roma Antiga, uma época em que homens usavam saia (oh, inveja!), era gostoso ir à arena com a família aos domingos e, entre vinhos e uvas (Se beber, não dirija!) assistir aos leões devorando seres humanos imprestáveis, iguais e livres a todos nós.

Mas hoje está tudo muito pior. Hoje temos o Bocão e outros freak shows, a tv nos mostra tudo, ficou muito sem-graça. Até o carnaval pode ser visto nessas caixinhas mágicas, e é muito mais seguro e desempolgante.

O carnaval de Salvador mistura gente demais. Eu, que moro no Alto do Itaigara, posso pular carnaval do lado do pobre miserável que mora nas Cajazeiras Infinitas, e pode, entre um Maimbê e outro, me assaltar.

Se eu não quiser passar por essa misturada nojenta e perigosa de classes, melhor me proteger dentro de um bloco, ou melhor, de um camarote, onde carnaval é a última coisa que alguém pensa em curtir. Mas não tem jeito, eu gosto da rua, eu gosto da mistura, então eu vou pular em desordem mesmo no meio de todo mundo, porque, graças a Deus e ao Guaraná Antártica, existem os trios independentes, sem cordas, onde comemoramos a igualdade e a liberdade entre os homens.


Mas sabe que eu considero que os blocos e os camarotes são estruturas que dão fim à hipocrisia social? Porque ali assumimos que não somos todos iguais, que queremos ser privilegiados por termos dinheiro, que não nos sentimos culpados se o irmão é pobre e quer roubar o que temos, e por isso é melhor deixá-lo se apertando na pipoca dando porrada uns nos outros. Quem não tem dinheiro que se arrisque aos socos e pontapés, ou se não quiser ou não gostar da bagunça, que fique em casa!

O carnaval é, e sempre foi, o período de soltar os bichos. Só que muitos desse bichos presos são selvagens e perigosos, porque o homem é obrigado a oprimi-los durante o resto do ano com focinheiras e jaulas enferrujadas. Aí, na hora que solta.... Tenha medo!

Coitado de quem pega um ônibus em dia de carnaval. Se você for clarinho, meu amigo, peça para seu anjo da guarda sair de trás do trio e voltar correndo pra te socorrer, porque os negros escravos (que porra de Lei Áurea, o quê????) aproveitam o CAOS instalado para comemorar a igualdade e a liberdade e descontar nesses bonitinhos o ódio que sentem por não terem um carro do ano com ar condicionado e vidro elétrico para poderem fechar quando vem o chato sujo pedindo "qualquer moeda, tio" e arrancar no sinal verde ao som de "Chicleteiro eu, chicleteira ela"!

Somos animais domesticados pelas regras sociais (e precisamos, de certa forma!), mas quanto maiores as desigualdades entre os homens, mais são alimentados o ódio e a violência, e não há período melhor para extravasar QUALQUER COISA do que o Carnaval. Entre cervejas, capetas, balas e hot dogs, homens e mulheres exalam vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência, mas de repente o Chiclete passa e... PORRADA!!! SANGUE!!!!

No lugar das correias... facas! Revólveres! Mulheres inférteis e homens mutilados!

Um milhão de pessoas nas ruas! A periferia toda desceu, gente! Os assaltantes também querem pular carnaval conosco!!!! Os mauricinhos bombados metidos a valentões também estão à solta! As mulheres querem dar que nem umas loucas para tomarem a correia do dia seguinte distribuída pelo governo!

Está tudo muito perigoso. Está mesmo? Na verdade, sempre foi. O problema é que está mais. Porque a violência, o comportamento agressivo negativo, a ira e o ódio também moram dentro do homem. E quanto mais homens no mundo, mais diferenças entre eles, e mais ódio, inveja, etcetera e tal.

Felizmente, em contrapartida, também haverá sempre mais gente amando, dançando em rodas, gritando "Chame gente!" porque quer apenas "ser feliz e mais nada". È com elas que eu comungo alegria nas ruas todo ano, e o desejo de não voltar pra casa vitimado pela violência de qualquer tipo... Ah, mas isto eu faço todos os dias, então...


Tô indo pra Barra, galera!!!

Ah... mas Vinicius pode falar assim porque é homem, é grande... pode sair sozinho na rua no carnaval...

É verdade.

Então quem quiser sair comigo, é só ligar!

Quarta-feira somos eu e a Limpurb!

Um comentário:

Paula Zilá disse...

Muito eloqüente, Vini!
E convincente tb, eu diria.
rs
gostaria de ver o texto que fala sobre as saturnálias.
pq vc não posta?
bijos, amor.